Esse é o valor de investimentos que o Parque Estadual
do Rio Doce, a maior floresta tropical preservada de Minas, irá receber da
Fundação Renova, ao longo de 10 anos, para a sua missão de salvar o que restou
do bioma Atlântico em toda a região do Vale do Aço.
Esta decisão foi aprovada pelo Comitê Interfederativo
(CIF), criado em resposta à tragédia ambiental do rompimento da Barragem de
Fundão, provocado pela mineradora Samarco, em novembro de 2015, via Termo de
Ajustamento de Conduta. O documento foi assinado entre a União, os estados de
Minas Gerais e Espírito Santo e as empresas Samarco, Vale e BHP.
Para quem estranhar tamanha generosidade - e a foto
paradisíaca acima justifica tudo - do apelido de “Amazônia mineira”, vale
lembrarmos que ele foi dado dois anos antes da ECO/92, no Governo Itamar
Franco, pelo seu ministro do Meio Ambiente, Rubens Ricúpero. Convidado a
sobrevoar a área pelo ambientalista e militante José Carlos Carvalho, então
diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), no Governo Hélio
Garcia, Ricúpero se impressionou ao testemunhar tamanha dádiva da Natureza ou
do Deus-Criador: um conjunto ecologicamente interligado de 40 lagoas -
praticamente ainda virgens, sem a presença humana; povoadas por uma flora e uma
fauna exuberantes em volta:
“O que vocês têm aqui e, pouca gente sabe, é uma
mini-Amazônia! Que Deus a conserve!”, profetizou o ministro.
Eu acredito
Essa bênção, agora com a decisão da Renova, nos faz
retroagir a uma história mais antiga ainda, que virou lenda. Ela ocorreu no
início do século XIX. Foi quando durante uma famosa expedição exploratória, o
capitão francês Guido Marlière subiu até o pico da serra do hoje, não à toa,
município de Marliéria, vizinho e parte integrante do parque. É dali que se
avista todo o esplendor da nossa “Amazônia”. E o seu principal cartão-postal: a
Lagoa Dom Helvécio, a maior de todas, em homenagem ao ex-arcebispo da Diocese
de Mariana, seu primeiro defensor e ambientalista.
Foi nessa maravilha de cenário e mal acreditando no
que via, que o fidalgo francês desceu do cavalo, ajoelhou-se e exclamou: “Je
crois en Dieu!” (Eu creio em Deus!). Logo “entendido” e traduzido mineiramente
pelos nativos que faziam parte da caravana em uma só palavra: “Jecroá”.
Daí o nome atual desse lugar: Alto da Serra do Jecroá.
É de onde continua possível vislumbrar os 36 mil hectares do Parque Estadual do
Rio Doce que, preservados como a primeira Unidade de Conservação (UC)
implantada em Minas, ainda formam o maior complexo lacustre do estado e o
terceiro do Brasil. Só perdendo para a Amazônia e o Pantanal, em termos de água
e verde.
Eu defendo
A história prossegue. Um ano depois da ECO, em 1993, o
Parque Estadual do Rio Doce também ganhou o título de “Reserva Mundial da
Biosfera”, pela Unesco, tal como o Parque Nacional da Serra do Cipó, na
cordilheira do Espinhaço.
Por que esta comparação entre o Rio Doce e a Serra do
Cipó? Porque ambas Unidades de Conservação (UCs), integrantes da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce, só foram salvas graças à luta, à perseverança e ao
amor inconfidente de três outros ambientalistas especiais: o dentista Hugo
Werneck, já falecido, a quem a Revista Ecológico é dedicada a cada Lua cheia. E
seus conselheiros, os biólogos Ângelo Machado e Célio Valle à frente, na época,
do combativo Centro para a Conservação da Natureza em Minas Gerais. Uma ONG
cuja sede, em BH, era dentro de uma kombi velha e ambulante, tamanha
precariedade de recursos.
Na década de 1960 e com apoio do jornal Estado de
Minas, esses mosqueteiros da natureza conseguiram barrar o asfaltamento de uma
polêmica estrada que tinha sido aberta dentro do parque. Ela ligava o lugarejo
Revés do Belém, onde havia uma antiga ponte para atravessar o Rio Doce, até
Caratinga (leia-se também às siderúrgicas do Vale do Aço), terra natal e
política de José Augusto Ferreira, ex-presidente da Açominas. A briga foi feia
e envolveu a militância também de Maria Dalce Ricas, à frente da Amda.
Aliança do destino, na passagem dos anos 1968 e 1969,
quando se deveria ou não ser asfaltada a estrada e pavimentar também a ponte
histórica, houve um grande e trágico incêndio ali, provavelmente criminoso, por
ser uma área naturalmente protegida. Onze pessoas ficaram cercadas pelo fogo e
morreram.
O projeto de asfaltamento da estrada-parque foi logo
abortado. E também preservada e recuperada, a então “Ponte Queimada” do Revés
do Belém, como passou a ser conhecida, se transformou em um museu-laboratório
para pesquisas científicas.
Eu crio
Com a Serra do Cipó, esses ambientalistas históricos
fizeram exatamente o que o governo federal não sabe ou escolhe fazer também na
Amazônia. Aproveitaram também a ocorrência de um grande e sem controle incêndio
mostrado pela mídia nacional na serra, e conseguiram comover o então governador
de Minas, Aureliano Chaves, que já tinha sensibilidade pela questão ambiental
(a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e “Meio Ambiente”, mais o
embrião da Semad e a Feam foram criados no seu governo).
Ainda levaram a ele, já nervoso, a reprodução de uma
nota publicada no Jornal do Brasil, denunciando que “rolos e mais rolos de
fumaça continuavam subindo e enegrecendo o céu, sem que o Governo de Minas
fizesse alguma coisa...”
Resultado: não restou outra atitude por parte do
governador. Pressionado pela opinião publica, Aureliano assinou - e depois
também ficou agradecido - o decreto de criação do parque estadual, cuja minuta
de texto e justificativa os mosqueteiros ecológicos já tinham imprimido
subversivamente em papel oficial. Tudo, no fundo, por amor à natureza.
Essa é a história dos 3% do bioma da Mata Atlântica
que sobraram em Minas. De Mariana ao Espírito Santo, o Rio Doce, dentro e fora
do parque, agradece!