“Se houver uma camisa preta e
branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o
vento”, já dizia, com propriedade, meu ex-colega de trabalho, o jornalista e
escritor Roberto Drummond. Esse espírito forte e vingador fez bater esquisito e
triste, noite dessas, meu coração atleticano. Foi quando participei, como
torcedor e observador anônimo, da última audiência pública realizada pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte (SMMA) sobre o projeto
da futura Arena do Galo, na capital mineira.
Minha alegria, em preto e branco,
compareceu primeiro. E se encantou. O projeto, em termos arquitetônicos,
assinado pela Farkasvölgyi Arquitetura, é maravilhoso. Moderno, ousado e
futurista. Na medida certa para a grande massa atleticana chamá-lo
orgulhosamente de seu e, a partir de 2020, reconhecendo-o como sua
nova sede social.
Por tudo isso, é claro, a sua
concepção não recebeu uma só crítica das poucas pessoas representantes das
comunidades da futura arena ali presentes. Obteve só elogios, inclusive de quem
é contra a sua localização. O projeto prevê a edificação de uma arena multiúso,
lembrando um disco voador, como se tivesse descido do céu e se fixado num
terreno doado pela MRV Engenharia.
Onde? Eis aí a questão para a qual
só o amor alvinegro pode protagonizar um placar compensatoriamente justo. A sua
construção, cujo processo de licenciamento ambiental ainda está em discussão no
Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), está prevista em uma área verde no
Bairro Califórnia, vizinho do Camargos, na Região Oeste de BH.
Fica a menos de um quilômetro da
Estação Eldorado do Metrô, como exige o protocolo da Fifa. E entre três grandes
corredores de tráfego: a Via Expressa Leste-Oeste, o Anel Rodoviário e a
BR-040, como exige o bom senso, para não dizer solução, caso Prefeitura, Estado
e MRV construam alças de acesso. Tanto para não atrapalhar mais ainda o
trânsito ali caótico, como para permitir que populações vizinhas à arena, hoje
já divididas e ilhadas por essas vias, não fiquem ainda mais apartadas.
Deixando, paradoxalmente, como vizinhas e torcedoras mais próximas, de usufruir
do novo espaço.
- Vocês vão incluir a construção
dessas alças para a gente também frequentar a arena?
- Vamos ter também o posto de
saúde pública que, há anos, reivindicamos aqui para a região?
- Vão implantar um parque ao
redor, para proteger as nascentes do nosso Córrego Morcego?
- E as áreas verdes (35% de área
do terreno) vão ter só árvores plantadas em meio ao asfalto e ao cimento?
- O Atlético vai pensar e incluir
tudo isso no projeto, antes de ele voltar ao Comam?
Foi o que vozes majoritárias,
brancas e pretas, mais perguntaram, na maioria dos casos em tom baixinho, de
tanta humildade, ao microfone. Dúvidas e esperanças que encheram o recinto de
perguntas pertinentes, mesmo ouvindo, várias vezes, representantes da própria
SMMA desanimar os moradores, cortando seus sonhos e direitos: “Informamos a
todos os presentes que a audiência pública de hoje não tem caráter
deliberativo”.
Então, para que ouvir a
comunidade, se ela, oficialmente, não terá voz – nem vez? Foi o que meu coração
começou a se perguntar também. E quando um ambientalista da região foi agredido
verbalmente por um dos moradores, seu vizinho, envolto na bandeira do meu
Atlético, aí é que doeu demasiadamente. Comprovou o encaminhamento errático e
desigual da audiência, algo equivalente ao embate entre David e Golias,
tornando inimigos aqueles torcedores que vestem a camisa
da sustentabilidade.
Mostrou que, na prática, a julgar
pelo correr da carruagem política, o licenciamento ambiental já está concedido.
E não irá contemplar esses pedidos sociais e legítimos de ambos os bairros,
cujos moradores serão impactados pela presença de até 47 mil pessoas, a cada
dia de jogo ou eventos de massa na nossa futura arena.
Gol de placa
Nada garantido, enfim, de alças
rodoviárias, nem nascentes protegidas, parque ou posto de saúde. A menos que,
de mãos dadas e espontaneamente, o nosso glorioso Clube Atlético Mineiro e a
MRV, a maior e mais sustentável construtora do país, que já doou o terreno, num
gesto louvável, façam isso por amor ao mesmo clube que amamos. E incluam, por
vontade própria, todas essas condicionantes naturais e óbvias, num projeto
maior. E aí, sim, autodeliberativo, ele se transforme em um presente
ecologicamente completo a Belo Horizonte, muito além do que apenas à torcida do
Galo.
Seria um verdadeiro gol de placa,
também chamado de amor social. Um amor maior, enfim, que Roberto Drummond
também certamente aplaudiria. Incluir tudo aquilo que, mesmo por força de lei,
nem a prefeitura nem o Estado, nem os órgãos oficiais, muito menos o atual
modelo ultrapassado de licenciamento ambiental irá fazer por aquelas pessoas
tão simples, sem prestígio nem apoio político presentes na audiência.
Que a diretoria do nosso querido
Atlético estique um outro varal, no qual a camisa branca e preta do amor torça
contra o vento do desamor. E que você, caro Roberto Drummond, esteja conosco,
em espírito, quando da inauguração da ambiental e socialmente mais amorosa
Arena do Galo.