É de doer o coração. Todo o dia, antes
do sol nascer, um homem magro e barbudo, aparentando uns 50 anos de muito desamor
e sofrimento, deixa a Favela Acaba Mundo. É onde ele parece morar, encravado na
franja divisória do bairro Mangabeiras e a Serra do Curral, eleita o cartão-postal
natural da capital mineira.
Como de costume, ele ladeia a Praça JK,
uma das mais belas áreas verdes da cidade, mantida pelo Sicepot. Cumprimenta humildemente
as pessoas que madrugam em caminhadas, como eu. E com o rosto inchado e os
olhos miúdos, em brasa de tão vermelhos, sobe a Avenida Bandeirantes até uma
lixeira pública.
Com vários compartimentos, essa lixeira
fica em frente a um posto de gasolina na esquina com a Praça Alaska. Lá, noite
adentro, funcionam dois barzinhos que, ao fechar as portas, já recolhem e
depositam os seus lixos em volumosos sacos plásticos. É ali que esse homem,
mesmo não sendo um morador de rua, faz o seu lanche. Publicamente.
Não apenas o seu desjejum de
sobrevivência. Mais, tudo leva a crer, de sua família também, ao voltar para
casa. Ao acabar de comer ou beber o necessário que encontra na lixeira, às
vezes dividindo com algum companheiro eventual, ele faz a sua sacola doméstica
e familiar de resíduos. E com o mesmo sorriso humilde de sempre, refaz o
caminho de volta, nos lembrando o personagem triste do célebre poema “O Bicho”,
de Manuel Bandeira.
Publicado em 1947, portanto, a quase
meio século e meio, infelizmente ele também é atual. Diz respeito à mesma tragédia
em curso, vivida por outros mais de 12 milhões de brasileiros hoje sem emprego e
desesperados no país, vítimas do nosso histórico desmazelo político:
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
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Triste situação dos desassistidos do país!!!!!!!
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